«Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enloqueceu, enloquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste».
Carlos Drummond Andrade
cartas rasgadas
quarta-feira, 17 de abril de 2013
quarta-feira, 10 de abril de 2013
Naufrágio
Hoje, na aula de parentalidade a professora contava-nos um
caso de um rapaz que inicialmente apresentava um osteossarcoma quando foi
internado no IPO. Posteriormente, esse tumor disseminou-se para os pulmões. A
mãe por ignorância dizia que a culpa disso era por causa do filho ter fumado
uns cigarros com os amigos na escola. O filho acreditava. E sentia-se culpado
por tudo isso. No entanto, não falava sobre o assunto, ficando sem saber durante
algum tempo que a culpa não era dele, mas sim do tumor inicial que ele tinha
pois espalhava-se na maior parte das vezes em direção aos pulmões.
Dado isto a professora disse-nos uma coisa muito simples, e
que eu até já sabia, mas que fiquei a pensar nela até agora. As palavras foram
“Quando sentirem que não estão bem e que não têm ninguém que vos escute, não
guardem tudo para vocês. Peguem num papel e escrevam lá tudo mas tudo! E depois
olhem… mandem-no para a sétima repartição!” E esta simples frase fez-me pensar
na quantidade de tempo que já passou e eu sem escrever nada para além das
matérias das aulas. Tenho guardado tudo para mim, já nem com as folhas de papel
falo. É como se as palavras me fugissem. Ou não quisessem ser ditas. Afinal, a
realidade torna-se realidade quando dita em voz alta, quando escrita, quando
partilhada. Por isso talvez eu tenha escolhido guardar tudo na caixinha do
costume, mas não sei até quando consigo…
Por vezes quando digo que estou cansada as pessoas devem
achar que lá estou eu a fazer-me de coitadinha, que como eu estou cansada
também eles estão. E por isso modero nas vezes que me queixo do cansaço, da
mesma maneira que procedo com tudo que digo. Mas é verdade. A toda a hora me
sinto cansada. Não é só um cansaço físico por me levantar cedo todos os dias ou
por causa das correrias para apanhar autocarros, trabalhos para fazer e 500
matérias para estudar. É um cansaço cá dentro. É um cansaço de quem está
sentado abeira dum abismo com o peso do mundo sobre as costas e o peso do mal
que nele existe algemado aos pés e, mesmo assim, usa todas as forças que tem
para não cair. Um cansaço de quem se esforça 19/19h por dia para sorrir. Para
não desatar a chorar por numa aula falarem de familiares que morreram ou de pessoas
que não se sentem bem consigo mesmas ou de decisões mal tomadas. Um cansaço de
quem se esforça por sorrir em vez de chorar, ao ouvir pessoas falarem de uma
realidade, sem perceberem que ali ao lado se encontra o espelho dessa mesma
realidade. Um cansaço por ouvir as pessoas contarem a minha história vezes e
vezes sem conta sem sonharem que ela me pertence. Sem saberem que tento com
cada passo que dou, cada batimento, cada respiração, cada movimento,
esquecê-la.
Mas de uma forma ou outra nunca a esqueço. Se não forem as
pessoas, inocentemente, a contarem a minha história é a vida quem me lembra. A
vida. Se é que sequer isso se pode chamar.
Na vida espera-se um processo de constante mudança,
acontecimentos inesperados e outros nem tanto, mas há mudança. No entanto, a
minha insiste em passar em modo “repeat”. O que aconteceu na minha infância
aconteceu quando tinha 13 anos, 15 anos, 16, 17. E quando eu achava que os anos
maus já tinham acabado e que iam começar aqueles a que chamam “os melhores anos
da tua vida”, o filme que começa a dar é o mesmo de todos os outros anos. As
pessoas desiludem, voltam com as palavras atrás (isto quando não acontece
dizerem que não disseram nada), vão embora quando prometeram fazer diferente.
Quando prometeram ficar no matter what.
E no meio disto tudo eu sinto-me a parva que mais uma vez
caiu na cantiga. Sinto-me parva porque eu não tenho desculpa para voltar a cair
sempre no mesmo buraco, visto que a história tem vindo a repetir-se ao longo
dos anos. Talvez o que a vida pretende é dar-me uma lição. Enquanto não
aprender esta, não me deixa passar para o nível seguinte. Mas Vida está na hora
de entenderes que há uma altura para desistir. Até hoje eu não aprendi que as
pessoas vão desiludir-me sempre, eu vou continuar a acreditar que uma pessoa é
capaz de mudar para melhor, continuar a acreditar que as pessoas falam a
verdade e que tencionam cumprir as promessas que fazem. Por isso muda a lição,
porque eu não aguento mais esta. Eu não aguento continuar a cair. Aguentaria se
ainda me restasse força para levantar. Se essa força existisse ainda aguentava
mais uns arranhões. Mas já não dá mais. Sinto-me como se fosse um navio a
afundar. E enquanto me afundo olho para terra e vejo a salvo todos aqueles que
resolveram saltar do barco antes que as coisas se complicassem um bocadinho que
fosse. Foram-se embora antes da tempestade sequer começar. E assim que chegaram
a terra começaram a festejar por se terem salvado. Não pensaram sequer nos seus
pertences que se afundavam também junto com o navio. Isto, se calhar, porque
não eram assim tão importantes. Eram apenas importantes para o navio, pois por
muito insignificantes que fossem esses pertences, conseguiam dar alguma beleza
à embarcação.
E assim que chegaram a terra, arranjaram logo novos cruzeiros
para partir em viagem. E eu, que vejo do lado do mar onde me afundo, reconheço
todos os passos. Reconheço que comigo, navio a naufragar-se, foi igual. E
começo a reconhecer em mim a verdadeira realidade, realidade essa que acelera
todo o processo.
Toda a minha vida foi assim, sempre fui facilmente substituída,
deixada para trás. No entanto, não é por a vida ir passando que todo o processo
se torna mais fácil. Acho que é pior ainda. Porque à medida que crescemos
pensamos que encontrar atitudes destas é cada vez mais raro. E por a
expectativa ser boa, quando os resultados são maus, tudo desaba tal qual
castelo de cartas num dia ventoso. Tal qual navio em noite de tempestade.
A esperança é cada vez menor, mas pelo menos tentarei manter
esta: o Titanic afundou-se, no entanto, hoje ainda todos se lembram dele.
terça-feira, 2 de abril de 2013
The worst goodbyes are the ones that are never said and never explained
“Eu odiava a palavra adeus. Até conhecer pessoas que
foram embora sem ao menos dar tchau. E se você acha que dói ouvi-lo,
não ouvi-lo dói bem mais.”
domingo, 3 de março de 2013
sábado, 3 de novembro de 2012
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