terça-feira, 26 de janeiro de 2010

private conversation with a heart that doesn't has a restart button

Se eu pudesse ser qualquer coisa, diferente daquilo que sou hoje, eu tenho quase certeza que quereria ser uma máquina. Ou pelo menos ter um coração que se comportasse como tal. Eu adorava poder ter um coração com um botão de “reset” instalado, e um interruptor para o ligar e desligar.

Coração, tu sofres demais. És demasiado sensível, demasiado frágil. Tens demasiadas cicatrizes, demasiadas marcas, demasiadas feridas, e magoas-te tão facilmente que certas feridas que tens, ainda nem tempo para sarar tiveram. Coração, eu não gosto de sensibilidade extrema, eu não lido bem com esse aspecto, e tu sabes que não. Tu, melhor que ninguém, conheces-me. Então, porque insistes em te comportar de maneira frágil, como se fosses um cristal, que o mínimo toque ou barulho pudesse quebrar em mil pedaços? Pois, apesar de estares cheio de remendos, por todas as feridas das guerra por que tiveste de passar, não é razão para te comportares assim, como um cristal. Não. Pelo menos quando sabes que eu não consigo aceitar isso. Quer dizer, de ti eu aceito. Mas não devia. Habituei-te mal. Apesar de no fundo tu mereceres que te dê todas as regalias do mundo, pois grande parte das feridas que tu tens, se não todas, devem-se a mim. Eu sujeitei-te a todas as batalhas, a todos os ataques, a todas as feridas, a toda a dor. Fui eu que te expus a todos os perigos, e hoje és tu quem sofre, por todos os erros que eu cometo. Por isso, não é mais que a minha obrigação tratar-te bem, e tolerar todos os teus caprichos e fragilidades. Mas, Coração, por que insistes em ser tão frágil, num Mundo onde só os fortes tem lugar? Porque no fundo, tu sabes disso. Sabes que assim, com essa fragilidade toda, tu não tens lugar aqui. E por consequente, eu também não.

“- E tu? Porque insistes em magoar-me mesmo sabendo que eu sou frágil? Se sou frágil, e se me mostro assim, é porque tu me fazes reagir desta maneira, pois eu não me importava de ser forte e corajoso, como os corações dos guerreiros. Nem sabes a inveja que eu lhes guardo. No entanto, estou condenado a lutar batalhas, e a perdê-las, porque tu, sim tu, insistes em desistir.”

Eu invejo os guerreiros, Coração, e invejo a sua força, a sua coragem. Invejo-os por terem um coração forte do seu lado. Que nunca os deixa desistir. Invejo-os, porque eu pelo contrário, tenho-te a ti. Tu não lutas, tu não me encorajas, tu apenas desistes, e eu nada posso fazer para te impedir. Tu comandas. Tu possuis todo o controlo. E eu, sou apenas uma marioneta que por ti, é controlada.

“- Oh Minha Ana, és tão cega. Tu insistes em ver apenas aquilo que te convém. Insistes em ver aquilo que não te deixa admitir as tuas fragilidades, aquilo que não passa de uma paisagem mentirosa, em que tu és uma lutadora. Mas a verdade, é que nem disso te aproximas, e sabes porquê? Porque insistes em culpar-me de tudo. Em fazer de mim o frágil, quando tu é que desistes. Tu é que desistes, por teres medo de lutar, e medo de me magoar, de te magoares. No final, acabas por não conseguir nada, e por me magoares a mim. Criando-me feridas que teimam em não estancar. Cicatrizes que ficarão para sempre cravadas. Tu, pelo contrário, continuas sempre intacta. Sem um único arranhão. Apenas sentes uma dor, que não sabes muito bem de onde vem. Nem porque a sentes. Apenas sabes que ela está lá. E, impulsivamente, culpas-me por ela.”

Muitas vezes dizem que devemos seguir o coração, que devemos ouvi-lo, que devemos ver com ele. Mas tu, só te enganas. Tu, meu querido Coração, és cego, és surdo e és mudo. Fechas-te para o mundo, com medo de te partires. Não achas que está na altura de encarares a realidade, e parares de ser tão frágil? Tu não és cristal. Tu não te partes se eu cair. Tu não te quebras com um barulho um pouco mais forte que aquele que tu pensas que podes escutar. Está na altura de ganhares força. Ninguém espera por ti. Apercebe-te disso. E passa a ajudar-me, pois dependemos um do outro. Passa a responder às minhas dúvidas, e a dar-me força. Faz de mim uma guerreira. Faz de mim tudo aquilo que eu um dia fui. Mas que agora nem me aproximo de ser, pois tu decidiste dar uma de cristal.

“- Será possível uma pessoa dizer tantas asneiras de uma vez só? Minha Ana, tu nunca falas comigo, e esperas que eu te responda a quê? Tu tens dois corações. Um está do lado esquerdo do teu corpo. Sou eu. O outro? Está na tua cabeça, é o teu cérebro. E o cérebro, é inimigo do coração. Tal como tu e eu dependemos um do outro, eu e o Sr. Cérebro também, mas sempre estivemos de relações cortadas, pois a razão, é inimiga de todos os sentimentos. A razão é objectiva, e os sentimentos? Subjectivos. E tu, és objectiva. Por isso é normal que eu e tu nunca falemos. Eu falo contigo, tu falas comigo. Mas eu e tu, nunca falamos, pois tu nunca me ouves, tu nunca me falas, tu nunca me respondes. Tu sim, és cega, és surda. Nunca me pedes opinião sobre o caminho que deves toma. Falas sempre com o Sr. Cérebro, e vês onde ele te leva? Está tão entretido a tomar conta dos teus passos, que faz pim-pam-pum sobre o caminho que tens que escolher. E olha que azar, ele nunca acerta. Mas tu nunca o culpas. E sabes porquê? Porque decidiste dar-lhe o nome de Sr. Coração. Deste-lhe o meu nome, e é a mim que teimas culpar. Mas não o faças mais, pois um dia, este cristal vai desistir, sim. Mas é de ti. Posso não quebrar com todas as coisas superficiais que tu mencionas, mas tudo aquilo a que me sujeitas? Todas as batalhas que desistes? Todos os sentimentos que nós sentimos? Quebram-me. E se eu cair no abismo, tu, para teu infortúnio, vens comigo.”

Eu fui forte um dia, eu conseguia lutar sozinha. Eu sei que sim, pois eu tenho memórias muito felizes. Mas agora? Apenas tenho uma carga mais pesada para levar comigo. Tenho que te arrastar para continuares, senão tu sentas-te, e fazes birra, e dizes que não vens. Eu não sei que se passou contigo, não sei se te magoaste, não sei sequer onde andas agora, pois sinto-te ausente. É o único sentimento que sinto agora, ausência, saudade. Custa-te assim tanto voltar? Fiz-te assim tanto mal, meu querido Coração?

“- Questiono-me; como é possível sentir-se saudades de algo que nunca se teve? Podes sentir desejo por mim, inveja por outros terem coração. Mas saudade? Saudade de quê? Tu nunca me ouviste, nunca falaste comigo. Á uns bons anos que nem te deves lembrar sequer que tens um lado esquerdo no corpo (sem ser quando algo começa a bater aceleradamente desse lado, e uma dorzinha começa a atacar e, então, o Sr. Cérebro alerta os teus olhos para chorar, pois a dor é demasiado forte.). Como podes sentir saudades minhas, a minha ausência? Será porque todas as memórias que eu guardei, nos armários do meu sótão, começaram a vir ao de cima? Sim. Porque fui eu quem as guardou. O Sr. Cérebro apenas se deu ao trabalho de pôr os olhos a funcionar para eu as poder ver e depois, sentir, para eu poder então guarda-las. Acho que, finalmente, estás a aprender a saber distinguir o Sr. Coração do Sr. Cérebro. Mas achas que valerá de algo?”

Se calhar fiz. Se calhar apenas usei o cérebro. Mas se o usei foi por que tu nunca me respondeste. Nunca deste sinal de vida. Sinal de vida inteligente, capaz de reagir a estímulos.

“- Deu-te um súbito ataque de culpa, minha Ana?”

“- Não, Sr. Coração. Sou eu, o Sr. Cérebro. A verdade, é que após tantos anos de consulta pela parte da Ana, tornei-a dependente da razão. Tirei-lhe muita essência da vida. E como sou eu quem controla tudo no corpo dela, nunca fiz com que ela falasse consigo. Tornei-a surda, á sua voz. Cega á sua presença. Pois a única coisa que não tenho controlo, é sobre si. A culpa é toda a minha. Controlo tudo, menos os sentimentos. E foi a mim, a quem se sucedeu um súbito ataque de culpa.”

Acho que chega de te culpar, meu querido Coração. Tenho mais é que seguir em frente, mas desta vez fazendo com que tudo seja diferente. Estás disposto a seguir comigo? Eu não volto a puxar-te se tu não quiseres seguir. Em vez disso, sento-me e ouço-te. E só depois de te por-mos todas as cartas na mesa, e o jogo estar finalmente aberto, é que seguimos. Segues comigo? Nunca te menti. Magoei-te. Expus-te. Desarmei-te. Mas nunca te menti. Podes então confiar em mim, pela primeira vez? Para mim, isto é novo. Sinto-me como se estivesse a seguir pela primeira vez, contigo. És capaz de me dar a mão?

“- Sr. Cérebro, foi muito mau da sua parte. Mas sabe? Fico feliz, por a minha querida Ana, estar a dar-se finalmente conta, que eu estou aqui. Para tudo. E que a vida, não depende só de mim, e dos outros corações. Que nós, corações, não controlamos a sorte e o azar. Apenas senti-mos e reagi-mos perante os obstáculos que nos aparecem. Não sei porque decidiu o Sr. Cérebro mudar de ideias, a esta altura do campeonato, quando podia estar a comandar todo o corpo da Ana. Eu estava disposto a desistir. Mas, fico feliz, por assim o ter feito.”

“- Sr. Coração, eu dependo muito mais de si, que o Sr. Coração de mim. Aproveite agora para voltar a ser feliz. E para fazer a Ana feliz. Mas digo-lhe que a nossa rivalidade continua.”

“- Nem eu queria que fosse de outra maneira.”

Meu querido Coração, és capaz de me dar a mão?

- Claro que sim minha Ana. Sabes? Tu és parte de mim. E eu sou parte de ti. Nós pertence-mo-nos mutuamente. Um sem o outro, somos um puzzle incompleto. Aquilo que tu sentes, eu sinto. Tu sofres o mesmo que eu sofro. É comigo que tu sofres. E é comigo também que tu és feliz. Se eu não existisse em ti, nem tu em mim, nenhum de nós poderia sentir qualquer tipo de sensação. Seríamos apenas objectos, e objectivos. E eu digo-te, minha Ana, sem ti eu não era nada. E tu sem mim, também não. E porque é que eu afirmo isto com tanta certeza? Porque nós, somos um.

Obrigada meu querido Coração, por não me deixares, mesmo após eu ter errado tanto contigo. Não sei se daqui em diante eu serei mais forte. Não sei se serei mais feliz. Ou se terei mais determinação e coragem, como aqueles guerreiros que tanto invejo. Mas sei uma coisa: tudo será diferente.

«Se eu pudesse ser qualquer coisa, diferente daquilo que sou hoje, eu tenho quase certeza que quereria ser uma máquina. Ou pelo menos ter um coração que se comportasse como tal. Eu adorava poder ter um coração com um botão de “reset” instalado, e um interruptor para o ligar e desligar.»
Corações com comportamentos de máquinas? Não. Desejaria claro, ter um coração com comportamento de coração. Não mudaria nada.
Sabem? As máquinas não choram. Se choram, enferrujam.


1 comentário:

Joana disse...

Este texto Ana :O Que texto, está tão mas tão lindo :3
Não pares de escrever. Gosto muito de ti e do teu heart'zinho (L)
Kiss*